Em contexto social e eclesial hispano-romano, logo de seguida misturado com povos nórdicos, suevos e os visigodos, foi-se formando e desenvolvendo, no Ocidente, no decurso dos séculos VI e VII, a liturgia hispânica – o rito hispânico-moçárabe, (também chamado moçárabe, visigótico, isidoriano, toledano, gótico…) – com influências evidentes de outras liturgias, orientais e ocidentais, mas com personalidade própria.
Esta liturgia é reflexo da vitalidade da Igreja hispânica. Contou com a colaboração criadora de grandes bispos como os de Sevilha (Leandro, Isidoro), Toledo (Eugénio, Julião, Ildefonso), Saragoça (Bráulio), Palência (Conâncio) e da área tarraconense (Justo de Urgel, Pedro de Lérida). Os abundantes concílios e sínodos (sobretudo os de Toledo e os tarraconenses) recolheram e regularam esta sensibilidade litúrgica própria, de modo particular o IV de Toledo, de 633, presidido por Santo Isidoro.
A época áurea da liturgia hispânica pode-se dizer que vai desde 589 (Concílio III de Toledo, com a conversão de Recaredo e o reino visigótico) até 711 (invasão dos árabes), e abarca toda a península e parte da Gália do sul.
Nos séculos de ocupação árabe, este rito, refugiado sobretudo em Toledo e no Norte da Península, continuou florescente também entre os moçárabes (ou muzárabes), os cristãos que viviam em território ocupado pelos árabes, mas defendendo a sua fé e o seu culto próprio. No século XI, houve um rápido processo de absorção por parte do rito romano, sob o papa Gregório VII, favorecido em parte pela acusação de contágio da heresia adopcionista. Em 1085, foi oficialmente suprimida a liturgia hispânica, à excepção de algumas paróquias de Toledo, que a conservaram.
O cardeal Cisneros para evitar a total extinção do rito, encarregou o cónego Ortiz da preparação de uma edição dos seus livros: no ano de 1500, apareceu impresso o Missale Mixtum, e, dois anos mais tarde, o Breviarium Gothicum. O Missal foi reeditado em 1755, preparado por Lesley, e encontrase na Patrologia Latina de Migne, vol. 85; o Breviário, no vol. 86. Mais tarde, o cardeal Lorenzana, em 1804, cuidou de novas edições, que estiveram em vigor até agora.
No nosso tempo, o cardeal de Toledo, Marcelo Gonzales, por encargo da Conferência Episcopal Espanhola e da Congregação para o Culto Divino, constituiu em 1982 uma comissão para a revisão da liturgia hispano-moçárabe, dirigida tecnicamente pelo professor J. Pinnel, beneditino de Montserrat. O primeiro fruto do longo trabalho foi a edição, em 1991, do Missale Hispano-Mozarabicum, e, imediatamente depois, do Liber Commicus. Proprium de tempore, o leccionário do mesmo Missal.
No rito hispano-moçárabe há duas séries de fontes e, portanto, uma dupla organização da liturgia. A chamada «tradição A» abarca quase todos os manuscritos, e parece originária de Toledo e de outras regiões do Norte da Península. Enquanto que a «tradição B» foi a correspondente a Sevilha, que ao fugir da invasão árabe se refugiou em Toledo. Ao editarem-se, em 1500, os códices, imprimiram-se precisamente os da tradição B.
As peculiaridades principais da missa hispano-moçárabe são:
• entre a celebração da Palavra e da Eucaristia, situa-se um bloco característico, com o ofertório, a intercessão dos dípticos (em forma litânica, que vem a ser também uma solene confissão de unidade eclesial) e o sinal da Paz;
• a Oração Eucarística compõe-se sempre de peças próprias do dia (illatio ou Prefácio, a post sanctus e a post pridie) entrelaçadas com as fixas (diálogo, Santo, narração, doxologia);
• a epiclese encontra-se depois da narração;
• a preparação para a Comunhão inicia-se com a confissão de fé e conclui, imediatamente antes da comunhão, com a bênção ao povo.
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